10 setembro 2025

Autismo (como conviver com ele)

Conviver com o autismo no dia a dia é algo que atravessa todas as áreas da minha vida. Não é só em um detalhe ou outro, mas em tudo: maternidade, casamento, trabalho, fé, até nas tarefas mais simples.

Na maternidade, o autismo aparece no jeito que organizo a rotina com meus filhos, na dificuldade de lidar com estímulos quando todos precisam de mim ao mesmo tempo e, ao mesmo tempo, na sensibilidade que me permite enxergar o mundo de uma forma única com eles.

No casamento, os desafios também existem. Às vezes a comunicação falha, às vezes o excesso de sensações me sobrecarrega, e isso interfere na convivência. Mas também aprendi que, quando existe diálogo e compreensão, o autismo não é apenas uma barreira — pode ser também um convite para mais paciência, cumplicidade e amor real.

No mercado de trabalho, foi difícil. Eu não consegui me adaptar, e isso me trouxe muitas frustrações. Muita gente não entende que o fato de eu ser do lar não foi uma “desculpa”, mas uma escolha influenciada pelo autismo. Os ambientes profissionais exigiam mais do que eu podia oferecer sem me desgastar profundamente. Hoje eu sei que abrir mão de me encaixar ali não foi fraqueza, foi cuidado comigo mesma.

Na igreja, ainda é complicado lidar com as luzes, o som alto, os cheiros fortes, os abraços e toques inesperados. São coisas simples para a maioria, mas que para mim podem ser um desafio enorme. Mesmo assim, eu tenho sede de estar ali, de participar, de viver minha fé, ainda que precise encontrar meu próprio jeito de fazer isso.

E até nas coisas mais pequenas do cotidiano o autismo se mostra: andar sozinha na rua, procurar lugares novos, lidar com imprevistos. O que parece banal para muitos, para mim pode ser motivo de ansiedade.

Conviver com o autismo, para mim, é viver constantemente entre limites e descobertas. É pedir compreensão, mas também aprender a valorizar as formas diferentes de existir. E, acima de tudo, é seguir tentando, todos os dias, encontrar o meu lugar no mundo.

24 agosto 2025

Autismo (maternidade)


Ser mãe e ser autista é viver um paradoxo constante: a vida que pulsa em cada filho é uma bênção imensa, um presente que me lembra todos os dias o quanto a maternidade é meu maior antídoto. Mas, ao mesmo tempo, cada detalhe dessa vida familiar vem carregado de desafios que nem sempre cabem nos olhos dos outros.

Tenho quatro filhos, e cada um é um universo. Eles enchem a casa de risadas, perguntas, choros, brincadeiras, cantorias — e tudo isso é lindo. Mas também é barulhento. E o barulho, para mim, não é apenas barulho: é uma enxurrada de sons que meu cérebro não consegue filtrar, como se cada grito, cada brinquedo caindo, cada porta batendo fosse um alarme. Amo a vida que preenche a casa, mas o excesso sonoro às vezes me esgota antes mesmo de eu perceber.

O cheiro também tem seu peso. Ser mãe significa lidar com fraldas, vômitos, comida esquecida que estragou… e enquanto para outros isso é apenas um detalhe, para mim é quase insuportável. Não porque não ame cuidar, mas porque o meu corpo reage de forma amplificada a esses estímulos. Ainda assim, eu respiro fundo, lavo, limpo, abraço — porque o amor fala mais alto que o desconforto.

O toque é outro campo delicado. Beijos e abraços dos meus filhos são tesouros, mas às vezes o excesso de contato físico me sobrecarrega. Não é falta de amor, é só a forma como meu sistema nervoso funciona. Eu preciso aprender a dosar: acolher, mas também respeitar meus limites, para que o afeto não se torne um peso e, sim, continue sendo um presente.

Até o vento é um desafio. No inverno, quando o ventilador do meu marido insiste em girar, meu corpo grita de desconforto. O mesmo acontece com as janelas: enquanto eu preciso de ar, ele prefere a casa fechada. Claustrofobia contra rotina fechada — mais uma batalha silenciosa no dia a dia.

E há as questões invisíveis, aquelas que não aparecem para quem olha de fora. Depois de socializar, minha mente pede um refúgio, silêncio, solidão. Mas como mandar os filhos embora do quarto quando tudo que eles querem é estar perto de mim? Como explicar que o celular, em alguns momentos, é meu descanso mental, sem parecer mau exemplo?

A maternidade é feita de fases — gravidez, puerpério, amamentação, desmame, desfralde, alfabetização, pré-adolescência… Tudo muda o tempo todo. E eu, com minha rigidez cognitiva, me sinto tentando dançar em um chão que nunca para de se mover. Ensinar flexibilidade aos filhos, quando minha própria mente resiste a mudanças, é talvez uma das maiores ironias que vivo.

Mas ainda assim, entre todas as dificuldades, há algo que permanece firme: a maternidade é meu remédio. É onde encontro sentido, é onde o amor supera os barulhos, os cheiros, os ventos, as rotinas quebradas. É onde a vida me prova, todos os dias, que mesmo sendo autista, mesmo com todas as minhas limitações, eu posso ser inteira. Porque ser mãe me cura ao mesmo tempo em que me desafia.

E no fim das contas, cada abraço apertado, cada risada alta, cada fase nova que me obriga a reaprender é também a lembrança de que a vida vale a pena — e que meus filhos são o milagre diário que corre nas minhas veias.

13 agosto 2025

Autismo (viver sem saber)

Por muito tempo, achei que eu era apenas “tímida demais”, “estranha” ou “difícil de lidar”. O diagnóstico de autismo chegou tarde, e com ele veio uma avalanche de memórias, explicações e feridas abertas. Passei anos tentando me encaixar em moldes que nunca foram feitos para mim, pagando um preço que nem sabia que estava pagando.

Fazer amigos sempre foi um enigma. Eu queria me aproximar, mas não entendia as regras não ditas das conversas, os momentos certos de falar ou o que responder para “puxar assunto”. Cumprimentar alguém, conviver com vizinhos, ou até responder um simples “oi” sempre foi um desafio — não porque eu não quisesse, mas porque não sabia como.

Na escola, falar em público era aterrorizante, e trabalhar em grupo parecia uma prova de resistência emocional. No trabalho, o masking era minha armadura: eu copiava gestos, expressões e jeitos de falar para parecer “normal”. Funcionava… até que eu chegava em casa e desmoronava, precisando de dias para recuperar a energia que gastei para existir socialmente.

As crises e o burnout eram inevitáveis, principalmente quando minha rotina era alterada de repente. Mudanças que pareciam pequenas para outros eram gigantes para mim.

Minha dificuldade de comunicação e de impor limites me levou, desde muito cedo, a entrar em relacionamentos abusivos — o primeiro aos 13 anos. Isso não se restringia ao amor: amizades, família, trabalho… eu não sabia dizer “não”, nem proteger meu espaço.

Quando me tornei mãe, enfrentei outro abismo: educar, impor autoridade e manter firmeza era um campo minado. Eu tinha medo de ser dura demais ou permissiva demais, e muitas vezes me sentia perdida, culpada e esgotada.

O diagnóstico não apagou o passado, mas me deu um mapa para entender o caminho que percorri. Ele me mostrou que não sou preguiçosa, estranha ou fraca — sou uma mulher autista que passou a vida inteira tentando sobreviver sem saber quem realmente era.

Hoje, ainda tenho dificuldades. Ainda me canso. Ainda enfrento crises. Mas agora sei que há um motivo. E, mais do que isso, sei que não estou sozinha.