04 novembro 2025

Sou um milagre: relacionamentos

Nem sempre o amor foi um lugar seguro pra mim. Por muito tempo, achei que amar era sinônimo de me perder — que eu precisava me moldar, me diminuir ou me machucar pra ser aceita.
Mas, ao longo da vida, percebi algo que mudou tudo: mesmo entre dores e desencontros, Deus estava me ensinando o verdadeiro sentido do amor.
E hoje, quando olho pra minha história, só consigo dizer — sou um milagre.

---

Por muito tempo, eu achei que o problema era eu.
Desde pequena, era difícil fazer amigos. Quando finalmente conseguia, parecia que algo sempre dava errado — alguém se aproveitava, ou simplesmente me deixava de lado. Mesmo assim, eu insistia em acreditar. Sempre esperava que, da próxima vez, seria diferente.

Lembro-me de amizades que nasceram do bullying — relações confusas, que misturavam dor e afeto, como se o carinho tivesse que doer um pouco pra ser real. Aprendi cedo a aceitar migalhas como se fossem amor.

Na adolescência, o cenário não mudou muito. Havia sempre uma “líder”, aquela amiga que me protegia, mas também me machucava com palavras. Eu achava que merecia aquilo, que era o preço para não ficar sozinha.

Nos meus relacionamentos amorosos, a história se repetiu. Me envolvi cedo demais, e quase sempre com pessoas que não souberam cuidar. Em outras vezes, fui eu quem se perdeu, tentando ser amada de qualquer jeito. E, quando alguém me tratava bem, eu não sabia o que fazer com aquilo — como se o amor saudável fosse um idioma que eu ainda não entendia.

Na família, também aprendi o peso das expectativas. Ouvi mais críticas do que elogios, e cresci tentando provar que eu era suficiente. Demorou pra perceber que talvez o amor não estivesse no que eu fazia, mas em quem eu era — e que Deus nunca me cobrou perfeição, apenas sinceridade.

Hoje eu entendo: sou um milagre.
Não porque saí ilesa, mas porque sobrevivi às distorções do amor e ainda acredito nele.

Sou um milagre porque não endureci.
Porque ainda sei sentir.
Porque ainda sei amar.

E, acima de tudo, porque encontrei em Deus o amor que não me exige desempenho, o olhar que não me julga e o colo que não me deixa só.

Agora sei que não preciso mais mendigar amor — nem o dos outros, nem o meu.
Porque já fui encontrada pelo Amor que nunca falha.

---

Hoje, olho para cada relação que vivi — as que doeram e as que curaram — e consigo ver a graça de Deus costurando tudo, mesmo nas partes que pareciam perdidas.
Ele me ensinou que amor de verdade não aprisiona, não humilha e não fere.
O amor verdadeiro liberta, restaura e recomeça.

> “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro.”
— 1 João 4:19 💗

30 setembro 2025

Eu sou um milagre: sons, luzes, coordenação e toques

Desde pequena, viver no mundo foi como atravessar um campo de sons e luzes que ninguém mais parecia notar. Multidões sempre me sugaram a energia, como se cada pessoa ao meu redor drenasse um pouco de mim. Lugares novos eram ainda mais difíceis: não era só o ambiente desconhecido, era a expectativa de ter que interagir, de falar com pessoas, de sustentar olhares. Era sufocante.

Barulho alto sempre me fez mal. Shows, festas, escolas barulhentas, até mesmo a igreja quando o som estava muito alto… tudo me deixava tonta, com náusea, como se meu corpo dissesse “não aguento mais”. As luzes intensas também eram inimigas constantes: dores de cabeça, desconforto, vontade de fugir.

Minha coordenação motora nunca foi boa. Eu sonhava em dançar, mas parecia “torta demais”. Meus pés tinham um desvio para dentro e passei por inúmeros exames, botas ortopédicas e tentativas sem resposta. Nada “detectável”. Hoje, olhando para trás, entendo que talvez fosse parte do autismo, do jeito diferente de andar, até de andar na ponta dos pés.

O toque era outro desafio invisível. Quando alguém me tocava, parecia que minha pele queimava. Toques inesperados eram ainda piores, como se meu corpo inteiro entrasse em alerta. Algo que parecia tão natural para os outros era, para mim, um peso difícil de suportar.

Tudo isso marcou minha infância e adolescência, e eu sobrevivi sem diagnóstico, sem terapia, sem nenhuma explicação que me ajudasse a entender por que eu era assim. Demorei a falar, mas com o tempo aprendi a me comunicar melhor. E aí entrou um dos meus milagres: desde os 4 anos, a leitura se tornou meu hiperfoco. Era como um refúgio silencioso, um lugar onde o mundo fazia sentido.

Mas não foi só isso. Deus também usou a igreja para me ajudar. Os teatros, as coreografias, até a experiência de falar em público — tudo isso foi moldando minha forma de me expressar, me dando recursos para lidar com um mundo que me parecia tão agressivo.

Olho para trás e vejo que, mesmo sem diagnósticos ou recursos, Deus foi escrevendo a minha história com cuidado. Eu sou um milagre, porque cada passo, cada conquista, foi contra as minhas próprias limitações.



10 setembro 2025

Autismo (como conviver com ele)

Conviver com o autismo no dia a dia é algo que atravessa todas as áreas da minha vida. Não é só em um detalhe ou outro, mas em tudo: maternidade, casamento, trabalho, fé, até nas tarefas mais simples.

Na maternidade, o autismo aparece no jeito que organizo a rotina com meus filhos, na dificuldade de lidar com estímulos quando todos precisam de mim ao mesmo tempo e, ao mesmo tempo, na sensibilidade que me permite enxergar o mundo de uma forma única com eles.

No casamento, os desafios também existem. Às vezes a comunicação falha, às vezes o excesso de sensações me sobrecarrega, e isso interfere na convivência. Mas também aprendi que, quando existe diálogo e compreensão, o autismo não é apenas uma barreira — pode ser também um convite para mais paciência, cumplicidade e amor real.

No mercado de trabalho, foi difícil. Eu não consegui me adaptar, e isso me trouxe muitas frustrações. Muita gente não entende que o fato de eu ser do lar não foi uma “desculpa”, mas uma escolha influenciada pelo autismo. Os ambientes profissionais exigiam mais do que eu podia oferecer sem me desgastar profundamente. Hoje eu sei que abrir mão de me encaixar ali não foi fraqueza, foi cuidado comigo mesma.

Na igreja, ainda é complicado lidar com as luzes, o som alto, os cheiros fortes, os abraços e toques inesperados. São coisas simples para a maioria, mas que para mim podem ser um desafio enorme. Mesmo assim, eu tenho sede de estar ali, de participar, de viver minha fé, ainda que precise encontrar meu próprio jeito de fazer isso.

E até nas coisas mais pequenas do cotidiano o autismo se mostra: andar sozinha na rua, procurar lugares novos, lidar com imprevistos. O que parece banal para muitos, para mim pode ser motivo de ansiedade.

Conviver com o autismo, para mim, é viver constantemente entre limites e descobertas. É pedir compreensão, mas também aprender a valorizar as formas diferentes de existir. E, acima de tudo, é seguir tentando, todos os dias, encontrar o meu lugar no mundo.