01 julho 2025

🛠️ Casa Ferida, Coração Inteiro

Minha casa ainda sangra.
O piso estala, o telhado geme, o forro guarda cicatrizes da lama que passou sem pedir licença.
Tem cheiro de mofo nas roupas que não dou conta de lavar,
tem poeira acumulada onde minhas mãos cansadas não alcançam.
Falta muita coisa: móveis, eletros, estrutura.
E sobra o peso de tudo que ainda não consegui consertar.

Mas aqui…
aqui reina um milagre.

É um milagre ouvir gargalhadas ecoando onde já houve silêncio de medo.
É um milagre ver crianças correndo onde já houve água invadindo tudo.
É um milagre haver paz — mesmo sem conforto.
E amor — mesmo sem espaço.
E alegria — mesmo sem estrutura.

Minha casa pode não ter brilho nos olhos de quem só vê com os olhos.
Mas aqui dentro há um brilho que só o céu enxerga.

Não é sobre o que falta.
É sobre o que ficou em pé:
ficou o amor, e isso basta.
Ficou a esperança, e isso move.
Ficou Deus conosco — e isso salva.



Minhas poesias também se foram na enchente. Todas as que eu escrevi na infância, adolescência, adulta. Perdi tudo na água. Fico feliz de estar escrevendo de novo. Até nisso Ele cuida de mim...

09 junho 2025

Autismo (o que sofri

Antes de saber que eu era autista, eu já sofria.

Sofria sem nome, sem explicação, sem abraço que realmente me alcançasse.
Falei tarde. Li cedo.
E isso roubou pedaços da minha infância.
Enquanto outras crianças brincavam, eu me perdia nos livros — e no silêncio.
Era como se o mundo tivesse começado difícil pra mim antes mesmo de eu entender o que era mundo.

A escola era um campo de guerra para os meus sentidos.
Os barulhos, os cheiros, as regras não ditas, os olhares… tudo demais. Tudo me engolia.
Mas eu amava estudar. Sempre amei.
Desde que fosse sozinha.
Desde que ninguém tentasse me explicar do jeito deles, porque eu aprendia melhor do meu jeito.

O bullying me rasgava em silêncio.
Riam das minhas pernas tortas, da minha magreza, da minha ingenuidade.
Apanhei por causa de trocados.
Sofri por ser boa, porque ser boa demais, nesse mundo, é como andar com um alvo nas costas.

A igreja…
Um lugar que eu acreditava ser de paz, mas onde meu corpo e minha mente imploravam por silêncio.
As luzes, os gritos, as palmas, os abraços inesperados.
Tudo doía.
Mas, mesmo assim, eu amava a Deus. Sempre amei.

Muito cedo, quis morrer.
Tantas vezes. Desde os 9 anos.
Hoje meu filho tem essa idade, e só de lembrar, meu peito aperta.
Eu sabia que era diferente. E essa diferença doía mais do que qualquer tapa.
Era um silêncio gritante que ninguém ouvia.

Aos 16, tudo virou.
Nova casa, nova escola, nova igreja, novo bairro, nova rotina.
Perdi o pouco de chão que ainda me sustentava.
Afundei em depressão.
Me apeguei ao único fio de controle que encontrei: a comida.
Ganhar peso me desesperou.
O hiperfoco virou dieta.
A dieta virou anorexia.

Depois veio um hiperfoco em alguém de longe.
Confundi tudo. Virei personagem de um romance que só eu escrevia.
Cartas, presentes, idealizações.
Durou anos.
Mas, como todo hiperfoco… não tem final. O romance teve. Eu fiquei.

Casei. Tive filhos.
E só depois disso tudo… descobri o nome do que me acompanhou a vida inteira: autismo.
Recebi o diagnóstico.
Mas não recebi ele com facilidade.
Me debati. Neguei.
Achava que não fazia sentido.
Mas hoje, tudo faz.

Faz sentido eu odiar festas, shows, aglomerações.
Faz sentido me sentir doente em lugares cheios.
Faz sentido eu nunca ter conseguido manter amizades com facilidade.
Faz sentido eu ser tão vulnerável. Tão inocente.
Faz sentido as mentiras compulsivas — uma tentativa desesperada de ser aceita, de não ser deixada de lado.

Faz sentido a dor de estar sozinha, mesmo cercada.
As crises, os shutdowns, os meltdowns…
Faz sentido o burnout.
E como ele pesa mais ainda quando se é mãe.
De quatro crianças.
De três possivelmente atípicas.

Faz sentido a culpa.
Faz sentido a ansiedade que aperta até a alma e te faz querer sumir.
Faz sentido o medo.

Mas agora eu sei.
Eu entendo.
Eu me vejo.
E isso muda tudo.

Eu não sou defeituosa.
Eu sou neurodivergente.
E sobrevivi.
Com marcas, sim. Mas também com força.
Com fé.
Com amor.

E mesmo nas dores, continuo.
Pela criança que fui.
Pelos filhos que tenho.

Por mim.

23 abril 2025

Autismo (como descobri)

Eu sempre soube que eu era diferente.
Falei muito tarde. O isolamento sem escolha. A completa inabilidade de socializar. Meus problemas de "pressão baixa" sem mudança de pressão quando havia muito barulho, cheiro forte, luzes ou mesmo calor demais. Depressão e outros problemas que foram tratados isoladamente, sem que se investigasse nada a mais. Mas ainda assim, nada me preparara para um diagnóstico de autismo.
Eu tive um colega autista na primeira série. Ele era o gênio da matemática. Eu era a garota dos livros. Vivia isolada com uma pilha deles. Li cedo. Devorava livros. Mas tinha minhas fases da matemática também, especialmente na época das expressões numéricas.
Mas não imaginava o autismo.
Quando nasceu meu primeiro bebê, eu soube que ele era diferente também, desde o início. Ele não me olhava nos olhos. Não interagia muito comigo. Não tinha evolução normal como os outros bebês. Mas eu achava que a culpa era minha e da minha depressão pós parto. Mas não tirei da cabeça que talvez ele não fosse uma criança típica. 
Comecei a faculdade quando ele tinha um ano e meio. Logo no primeiro semestre, estudei a educação inclusiva, que focou em autismo por algum tempo. Eu tive uma surpresa grande ao perceber que me identifiquei com as características infantis. Nunca tinha prestado atenção nelas antes. Quando eu tentava meu "autodiagnóstico" anteriormente, sempre era com o que eu sentia AGORA, e então vinha depressão, ansiedade, um transtorno de personalidade qualquer. Não combinava com autismo (não com a maquiagem toda que eu fazia no dia a dia). 
Eu mesma ignorei as coicidências, porque achei "impossível" eu ter uma vida "normal" e ser autista. Na minha singela opinião nao-médica, eu nunca tinha tido uma crise, ou me incomodado com barulhos, hoje sei que estava enganada. Mas passei a brincar comigo mesma com as características que achava. Os padrões repetidos. As necessidades de rotina. Era uma coisa nova todo dia que achava. 
Comentei com minha professora que desconfiava do autismo e ela me encorajou a procurar ajuda. Eu ignorei de novo.
Então veio minha segunda gestação. Apesar de planejada e desejada, eu não levei muito bem a mudança e tive muito medo do parto e outras coisas. Tive uma crise gigante durante o banho (que eu até então achava ser crise de ansiedade) e resolvi ir ao caps. Lá mesmo, perceberam que eu tinha algo diferente nas minhas características e histórico. 
Com o tempo, comecei a insistir em médicos e tentar diagnóstico. Consegui um relatório de uma neuropsicopedagoga. O SUS não ajudou nenhum pouco. Tentei várias formas, mas nada ajudava. Nessa altura, já acreditava fielmente no meu diagnóstico, mas os médicos não concordavam comigo.
Em meio a luta pelo meu laudo, também lutava pelo meu filho. Ele também, foi visto como uma criança normal pelos médicos em que passamos. Ele era comportado, educado, não parecia autista. Mas isso mudou com os anos. No final da educação infantil, os professores começaram a notar algo diferente. No início do fundamental, se tornou caótico. Então nós obrigamos a pagar uma consulta e conseguimos o laudo depois de 8 anos. 
Com a certeza de que teria ajuda da mesma psicóloga que fez o relatório do meu filho, consegui o que precisava finalmente. Comecei tratamento com psiquiatra, e segui com a medicação até um ano atrás. E então parei.
Hoje sigo minha vida, tentando lidar com tudo através da dança e da minha fé em Deus. Tenho necessidade de rotina, não me dou bem com barulhos altos, cheiros fortes, luzes coloridas ou tremidas e calor para mim é algo insuportável. Tenho crises, as vezes gigantes que não tenho como controlar. A terapia eu fiz por mais de um ano, mas não tive mais condições de pagar, mesmo sendo um valor social. E essa tem sido minha vida. 
Hoje tenho 4 filhos, 3 deles são atípicos, só um tem um laudo. Sigo ajudando conforme posso, sendo professora, terapeuta, fonodiologa, nutricionista e enfermeira. É pesado para uma pessoa autista, mas foi a vocação que Deus me deu, e eu louvo a Deus pelas escolhas que fiz. 
Que Ele tenha orgulho de quem eu me tornei.