Ser mãe e ser autista é viver um paradoxo constante: a vida que pulsa em cada filho é uma bênção imensa, um presente que me lembra todos os dias o quanto a maternidade é meu maior antídoto. Mas, ao mesmo tempo, cada detalhe dessa vida familiar vem carregado de desafios que nem sempre cabem nos olhos dos outros.
Tenho quatro filhos, e cada um é um universo. Eles enchem a casa de risadas, perguntas, choros, brincadeiras, cantorias — e tudo isso é lindo. Mas também é barulhento. E o barulho, para mim, não é apenas barulho: é uma enxurrada de sons que meu cérebro não consegue filtrar, como se cada grito, cada brinquedo caindo, cada porta batendo fosse um alarme. Amo a vida que preenche a casa, mas o excesso sonoro às vezes me esgota antes mesmo de eu perceber.
O cheiro também tem seu peso. Ser mãe significa lidar com fraldas, vômitos, comida esquecida que estragou… e enquanto para outros isso é apenas um detalhe, para mim é quase insuportável. Não porque não ame cuidar, mas porque o meu corpo reage de forma amplificada a esses estímulos. Ainda assim, eu respiro fundo, lavo, limpo, abraço — porque o amor fala mais alto que o desconforto.
O toque é outro campo delicado. Beijos e abraços dos meus filhos são tesouros, mas às vezes o excesso de contato físico me sobrecarrega. Não é falta de amor, é só a forma como meu sistema nervoso funciona. Eu preciso aprender a dosar: acolher, mas também respeitar meus limites, para que o afeto não se torne um peso e, sim, continue sendo um presente.
Até o vento é um desafio. No inverno, quando o ventilador do meu marido insiste em girar, meu corpo grita de desconforto. O mesmo acontece com as janelas: enquanto eu preciso de ar, ele prefere a casa fechada. Claustrofobia contra rotina fechada — mais uma batalha silenciosa no dia a dia.
E há as questões invisíveis, aquelas que não aparecem para quem olha de fora. Depois de socializar, minha mente pede um refúgio, silêncio, solidão. Mas como mandar os filhos embora do quarto quando tudo que eles querem é estar perto de mim? Como explicar que o celular, em alguns momentos, é meu descanso mental, sem parecer mau exemplo?
A maternidade é feita de fases — gravidez, puerpério, amamentação, desmame, desfralde, alfabetização, pré-adolescência… Tudo muda o tempo todo. E eu, com minha rigidez cognitiva, me sinto tentando dançar em um chão que nunca para de se mover. Ensinar flexibilidade aos filhos, quando minha própria mente resiste a mudanças, é talvez uma das maiores ironias que vivo.
Mas ainda assim, entre todas as dificuldades, há algo que permanece firme: a maternidade é meu remédio. É onde encontro sentido, é onde o amor supera os barulhos, os cheiros, os ventos, as rotinas quebradas. É onde a vida me prova, todos os dias, que mesmo sendo autista, mesmo com todas as minhas limitações, eu posso ser inteira. Porque ser mãe me cura ao mesmo tempo em que me desafia.
E no fim das contas, cada abraço apertado, cada risada alta, cada fase nova que me obriga a reaprender é também a lembrança de que a vida vale a pena — e que meus filhos são o milagre diário que corre nas minhas veias.
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