Desde pequena, viver no mundo foi como atravessar um campo de sons e luzes que ninguém mais parecia notar. Multidões sempre me sugaram a energia, como se cada pessoa ao meu redor drenasse um pouco de mim. Lugares novos eram ainda mais difíceis: não era só o ambiente desconhecido, era a expectativa de ter que interagir, de falar com pessoas, de sustentar olhares. Era sufocante.
Barulho alto sempre me fez mal. Shows, festas, escolas barulhentas, até mesmo a igreja quando o som estava muito alto… tudo me deixava tonta, com náusea, como se meu corpo dissesse “não aguento mais”. As luzes intensas também eram inimigas constantes: dores de cabeça, desconforto, vontade de fugir.
Minha coordenação motora nunca foi boa. Eu sonhava em dançar, mas parecia “torta demais”. Meus pés tinham um desvio para dentro e passei por inúmeros exames, botas ortopédicas e tentativas sem resposta. Nada “detectável”. Hoje, olhando para trás, entendo que talvez fosse parte do autismo, do jeito diferente de andar, até de andar na ponta dos pés.
O toque era outro desafio invisível. Quando alguém me tocava, parecia que minha pele queimava. Toques inesperados eram ainda piores, como se meu corpo inteiro entrasse em alerta. Algo que parecia tão natural para os outros era, para mim, um peso difícil de suportar.
Tudo isso marcou minha infância e adolescência, e eu sobrevivi sem diagnóstico, sem terapia, sem nenhuma explicação que me ajudasse a entender por que eu era assim. Demorei a falar, mas com o tempo aprendi a me comunicar melhor. E aí entrou um dos meus milagres: desde os 4 anos, a leitura se tornou meu hiperfoco. Era como um refúgio silencioso, um lugar onde o mundo fazia sentido.
Mas não foi só isso. Deus também usou a igreja para me ajudar. Os teatros, as coreografias, até a experiência de falar em público — tudo isso foi moldando minha forma de me expressar, me dando recursos para lidar com um mundo que me parecia tão agressivo.
Olho para trás e vejo que, mesmo sem diagnósticos ou recursos, Deus foi escrevendo a minha história com cuidado. Eu sou um milagre, porque cada passo, cada conquista, foi contra as minhas próprias limitações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário