13 agosto 2025

O peso invisível de viver sem saber que era autista (eis a minha história)

Por muito tempo, achei que eu era apenas “tímida demais”, “estranha” ou “difícil de lidar”. O diagnóstico de autismo chegou tarde, e com ele veio uma avalanche de memórias, explicações e feridas abertas. Passei anos tentando me encaixar em moldes que nunca foram feitos para mim, pagando um preço que nem sabia que estava pagando.

Fazer amigos sempre foi um enigma. Eu queria me aproximar, mas não entendia as regras não ditas das conversas, os momentos certos de falar ou o que responder para “puxar assunto”. Cumprimentar alguém, conviver com vizinhos, ou até responder um simples “oi” sempre foi um desafio — não porque eu não quisesse, mas porque não sabia como.

Na escola, falar em público era aterrorizante, e trabalhar em grupo parecia uma prova de resistência emocional. No trabalho, o masking era minha armadura: eu copiava gestos, expressões e jeitos de falar para parecer “normal”. Funcionava… até que eu chegava em casa e desmoronava, precisando de dias para recuperar a energia que gastei para existir socialmente.

As crises e o burnout eram inevitáveis, principalmente quando minha rotina era alterada de repente. Mudanças que pareciam pequenas para outros eram gigantes para mim.

Minha dificuldade de comunicação e de impor limites me levou, desde muito cedo, a entrar em relacionamentos abusivos — o primeiro aos 13 anos. Isso não se restringia ao amor: amizades, família, trabalho… eu não sabia dizer “não”, nem proteger meu espaço.

Quando me tornei mãe, enfrentei outro abismo: educar, impor autoridade e manter firmeza era um campo minado. Eu tinha medo de ser dura demais ou permissiva demais, e muitas vezes me sentia perdida, culpada e esgotada.

O diagnóstico não apagou o passado, mas me deu um mapa para entender o caminho que percorri. Ele me mostrou que não sou preguiçosa, estranha ou fraca — sou uma mulher autista que passou a vida inteira tentando sobreviver sem saber quem realmente era.

Hoje, ainda tenho dificuldades. Ainda me canso. Ainda enfrento crises. Mas agora sei que há um motivo. E, mais do que isso, sei que não estou sozinha.

21 julho 2025

O que o diagnóstico mudou em mim

Receber o diagnóstico de autismo na fase adulta foi como finalmente encontrar uma legenda para um filme que eu assistia a vida toda sem entender direito. De repente, comportamentos, dificuldades e sensações que antes pareciam falhas pessoais passaram a ter um nome — e um motivo.

Uma das coisas mais difíceis de encarar foi perceber como tantas áreas da minha vida estavam atravessadas por essa diferença neurológica. A começar pelas coisas mais básicas: limpeza da casa, higiene pessoal, organização do cotidiano. Para muita gente, essas são tarefas simples, quase automáticas. Para mim, sempre foram um mistério.

Nunca fui ensinada de verdade como cuidar da minha higiene ou manter uma casa em ordem. Apenas esperavam que eu "soubesse". Mas meu cérebro não funciona assim. Sem modelos claros, instruções passo a passo ou apoio prático, essas tarefas viraram fontes constantes de frustração, culpa e, muitas vezes, vergonha.

Outra grande dificuldade é no campo das interações sociais. Normas de educação, aquelas regrinhas implícitas de convivência, sempre me pareceram enigmáticas. Às vezes falo "fora de hora", não reajo do jeito esperado, ou deixo de perceber sinais que para os outros são óbvios. Já fui considerada "fria", "estranha", "grossa", quando na verdade eu estava apenas tentando entender como agir, tentando me encaixar em códigos que nunca me foram decifrados.

O diagnóstico não resolveu tudo — mas trouxe alívio. Ele me deu um ponto de partida. Me ajudou a compreender que eu não sou preguiçosa, mal-educada ou desligada. Eu sou autista. E isso muda tudo na forma como encaro a mim mesma.

Hoje, ainda estou aprendendo. Estou me ensinando o que ninguém me ensinou. Estou criando estratégias, pedindo ajuda sem tanto medo, aceitando limites e celebrando pequenas vitórias.

Acima de tudo, estou me permitindo existir do meu jeito — com mais compaixão.

01 julho 2025

🛠️ Casa Ferida, Coração Inteiro

Minha casa ainda sangra.
O piso estala, o telhado geme, o forro guarda cicatrizes da lama que passou sem pedir licença.
Tem cheiro de mofo nas roupas que não dou conta de lavar,
tem poeira acumulada onde minhas mãos cansadas não alcançam.
Falta muita coisa: móveis, eletros, estrutura.
E sobra o peso de tudo que ainda não consegui consertar.

Mas aqui…
aqui reina um milagre.

É um milagre ouvir gargalhadas ecoando onde já houve silêncio de medo.
É um milagre ver crianças correndo onde já houve água invadindo tudo.
É um milagre haver paz — mesmo sem conforto.
E amor — mesmo sem espaço.
E alegria — mesmo sem estrutura.

Minha casa pode não ter brilho nos olhos de quem só vê com os olhos.
Mas aqui dentro há um brilho que só o céu enxerga.

Não é sobre o que falta.
É sobre o que ficou em pé:
ficou o amor, e isso basta.
Ficou a esperança, e isso move.
Ficou Deus conosco — e isso salva.



Minhas poesias também se foram na enchente. Todas as que eu escrevi na infância, adolescência, adulta. Perdi tudo na água. Fico feliz de estar escrevendo de novo. Até nisso Ele cuida de mim...