Por muito tempo, achei que eu era apenas “tímida demais”, “estranha” ou “difícil de lidar”. O diagnóstico de autismo chegou tarde, e com ele veio uma avalanche de memórias, explicações e feridas abertas. Passei anos tentando me encaixar em moldes que nunca foram feitos para mim, pagando um preço que nem sabia que estava pagando.
Fazer amigos sempre foi um enigma. Eu queria me aproximar, mas não entendia as regras não ditas das conversas, os momentos certos de falar ou o que responder para “puxar assunto”. Cumprimentar alguém, conviver com vizinhos, ou até responder um simples “oi” sempre foi um desafio — não porque eu não quisesse, mas porque não sabia como.
Na escola, falar em público era aterrorizante, e trabalhar em grupo parecia uma prova de resistência emocional. No trabalho, o masking era minha armadura: eu copiava gestos, expressões e jeitos de falar para parecer “normal”. Funcionava… até que eu chegava em casa e desmoronava, precisando de dias para recuperar a energia que gastei para existir socialmente.
As crises e o burnout eram inevitáveis, principalmente quando minha rotina era alterada de repente. Mudanças que pareciam pequenas para outros eram gigantes para mim.
Minha dificuldade de comunicação e de impor limites me levou, desde muito cedo, a entrar em relacionamentos abusivos — o primeiro aos 13 anos. Isso não se restringia ao amor: amizades, família, trabalho… eu não sabia dizer “não”, nem proteger meu espaço.
Quando me tornei mãe, enfrentei outro abismo: educar, impor autoridade e manter firmeza era um campo minado. Eu tinha medo de ser dura demais ou permissiva demais, e muitas vezes me sentia perdida, culpada e esgotada.
O diagnóstico não apagou o passado, mas me deu um mapa para entender o caminho que percorri. Ele me mostrou que não sou preguiçosa, estranha ou fraca — sou uma mulher autista que passou a vida inteira tentando sobreviver sem saber quem realmente era.
Hoje, ainda tenho dificuldades. Ainda me canso. Ainda enfrento crises. Mas agora sei que há um motivo. E, mais do que isso, sei que não estou sozinha.