20 junho 2020

Esdras e a festa de aniversário

Era um dia triste. Eu estava fazendo dezoito anos, mataram meu amigo com um tiro em frente a minha casa por causa de droga, eu brigara com minha mãe e minha tão sonhada festa a fantasia tinha sido desmanchada porque eu estava triste. Usava um vestido cinza de senhora que comprei com pressa, trocado pelo vestido azul de Cinderela. Meus amigos estavam todos lá, mas eu me sentia sozinha como sempre. Meus pensamentos continuavam em números e calorias, e não estava feliz com aquela festa sem música nem dança. Eu precisava dançar para esquecer tudo. E beber. Mas isso também não tinha.
- Coloca as músicas do meu celular aí - eu disse me referindo aos funk's e companhia que eu tinha para dançar sozinha de vez em quando. 
Esdras fez que sim, ligando o cabo na caixa de som quase do tamanho dele que ele trouxera. Passou as músicas percebendo o estilo delas e riu, seu tom soou malioso, mas eu não via isso com maldade, porque quase todos meus amigos eram assim. 
- Curte dançar isso, é? - ele perguntou, seus olhos riram pra mim e o sorriso veio depois. Eu gostava daquele rosto. Pele escura, olhos pequenos, sorriso branco perfeito e não tinha nada que não me chamasse atenção ali.
Não era dele que eu gostava. O cara que eu gostava estava lá do lado de fora, dando conversa para uma das minhas amigas da escola, uma loira gostosa que os meninos sempre davam bola. Ela tinha catorze anos, ele dezesseis. Era justo, apesar de eu ainda pensar naquele rostinho de pele um pouco mais clara que Esdras, mais magro e menos bonito. Mas era dele que eu gostava.
- Posso te dizer que tu não parece bem? - ele perguntou quando eu não parecia estar com os pensamentos no lugar certo. Dei um sorrisinho sem graça para ele, que continuava rindo maliciosamente das minhas músicas enquanto as passava. Alguém fez algum comentário para colocar músicas "decentes". Me dignei a encarar com um "cala a boca" nos olhos.
- Então, tu gosta desse tipo de coisa? - ele perguntou, ninguém nos ouvia, a música estava alta.
- De dançar? Bem, gosto sim - respondi dando de ombros, ele gargalhou.
- Não é bem disso que eu tava perguntando, não - ele disse, eu não entendi que ele estava falando de outro tipo de coisa, das letras do funk. Então simplesmente fingi ter ignorado.
- E sobre essa questão aí, do sexo? Você gosta?
Nunca fui de me importar com esse tipo de assunto, fosse com menino ou menina. Eu era assim, gostava de falar de tudo, me sentir inteligente, apesar de não entender nada na prática.
- Não é minha praia - respondi simplesmente - Tenho essas paradas de casar virgem e tal. 
Ele gargalhou.
- Entendi. Mas nem brincando? Sei lá, sexo oral ou anal, sei lá? 
A cabeça dele fez um movimento para trás junto com a risada, entendi que era tudo uma brincadeira, mas não deixei ele me fazer rir daquilo.
- Acho nojento, normalmente quem gosta de sexo anal é gay ou gosta da coisa mas não admite - fui seca, agora, quase grossa. Ele parou de rir.
Houve silêncio por alguns minutos, ele continuou conversando comigo por bastante tempo, sobre assuntos aleatórios que não mais tinham a ver com sexo. Ache que ali tinha nascido uma boa amizade, dessas de verdade entre menino e menina. Ele parecia gostar de conversar comigo e eu gostava de conversar com ele também. E bem, ele era bonito no fim das contas.

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