25 outubro 2012

Filosofia mágica (Lado Escritora)

Esse trecho abaixo faz parte do meu novo projeto: "Três vozes e o mistério dos ocultos".
Eu e minha irmã mais velha sempre nos entendemos. Até mesmo quando o assunto era minhas crenças, ela tentava me respeitar apesar de não gostar muito da ideia. Éramos companheiras para assuntos dos mais diversos. E foi numa ajuda que pedi pra uma redação que veio a nossa primeira conversa de "filosofia mágica".
- Por que você não escreve sobre os animais ou a importância da conscientização política ou algo assim? - indagou Márcia, em meio a um bocejo - Por que sempre tem que escrever sobre fadas ou magia?
Revirei os olhos, indignada. Minha irmã era mesmo uma incrédula de mão cheia.
- Porque eu tenho que escrever sobre algo que eu esteja familiarizada, lembra? - respondi - E além disso, eu gosto de falar sobre elas, me faz bem.
Ela concordou com a cabeça, conflitante, tentando encontrar argumentos. Eu ri.
- Mana, porque é tão fácil pra vocês acreditarem em religiões e tão difícil acreditar num mundo paralelo? - perguntei, curiosamente - Será que esse mundo não é pequeno demais pra ser só isso?
Ela pareceu interessar-se, curvou-se pra mais perto do meu rosto, sorrindo.
- Tem razão - comentou - Como pode acreditarmos em coisas tão metafísicas e não acreditarmos em seres mitológicos. Talvez porque eles sejam histórias pra criança? - ela enfatizou tanto a última palavra que eu tremi.
- Toda história tem um fundo de verdade, mana - expliquei - Lembra daquilo sobre a chapéuzinho ser vítima de pedofilia e tudo mais? Pois então.
Márcia respirou fundo, sem ação.
- Ok, você pode ter razão. Mas digamos que eu acredite em você e tudo. Onde fica o que você acredita em termos de religião?Onde fica Deus e tudo mais?
Dei um sorriso fraco. Ela estava começando a pensar, isso era bom.
- É simples, maninha - tentei explicar - Fadas são protetoras da natureza desde os primordios do nosso mundo. De todas as naturezas, de todos os mundos. E isso as fazem especiais.
Ela assentiu, interessada. Seus olhos brilhavam de curiosidade.
- Deus quis assim, é o que eu acho - encolhi os ombros - Se hoje a natureza está se esvaindo, não é por descuido do homem, que sempre desrespeitou as coisas da própria casa deles. Mas pela falta de crença da nossa espécie.
- Vai dizer agora que elas morrem se eu não acreditar nelas?
Neguei com a cabeça.
- Você, não. - expliquei - As crianças. Crianças deveriam acreditar em contos de fadas, mas elas perdem a magia cedo demais. As fadas morrem e a natureza fica desprotegida.
Márcia gargalhou.
- Até que eu gostei da sua histórinha - riu-se - Vou contar para os meus alunos, eles vão curtir.
Revirei os olhos novamente. Isso já nem me magoava mais, estou acustumada.
- E se você já não é mais criança, porque precisa acreditar nelas? - perguntou a senhorita "não acredito em fadas".
- Porque eu as vejo - falei - Elas são reais pra mim, não só uma crença. É tão real quanto eu sou pra você. Mas meu dom é único. Pessoas sem inocência não podem ter contato com fadas.
As rugas de indagação tomaram conta da testa de Márcia.
- Quer dizer que qualquer criança pode ver uma fada? - ela perguntou.
Eu assenti.
- Sim, qualquer uma - falei - Até a idade que sua inocência é perdida e ela passa a entender o verdadeiro sentido do amor e do encontro de corpos. Então ela se torna oficialmente uma adulta. Pelo menos na concepção das fadas.
- Caramba, Melissa - surtou ela - Toda essa inteligência desperdiçada com coisas sem sentido. Você daria uma ótima professora se desse oportunidade a você mesma.
Soltei um grunido, como se sentisse dor.
- Tudo o que sei foi ensinado por elas, mana, tudo. Sinto muito.
Ela ergue-se, frustrada.
- Claro, claro que foi - bufou - Escreve sobre tudo isso aí, vai tirar um dez fácil.
Concordei, satisfeita.
- Mana - chamei antes que ela saísse pela porta - Sinto muito por não ser a irmã perfeita e madura que você queria ter.
Ela sorriu.
- Você é a irmã perfeita que eu queria ter, Melissa. Só que dez vezes mais ingênua.
Ela saiu, e eu deitei a cabeça no travesseiro, sorrindo. Mal sabia a grande professora Márcia que eu já não era mais ingênua, tampouco inocente. Em menos de 24 horas, todo o meu dom iria embora junto com a minha honra.
Porque eu amava um garoto perfeito.

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