01 agosto 2013

O que se tem de melhor (Conto)

- Alê - meu pai chamou no outro cômodo.
Eu estava de bruços na cama, deixando o choro de meses sair livremente. Tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo na minha vida. A briga dos meus pais. Minha mãe dizendo que não gosta de mim porque queria um menino. Talvez pelo fato de já ter um, e quisesse que meu pai o amasse tanto quanto amava a mim. Meu irmão saindo de casa, porque diz que odeia meu pai. Meu pai o ama tanto quanto ama a mim, mesmo ele não sendo filho dele de verdade. Pagou a carteira dele, a faculdade. E ele simplesmente diz que odeia meu pai. Quem pode entender essa família?
- O quê, pai? - limpei as lágrimas e tentei falar devidamente, sem voz embargada, mas estava impossível.
- Posso entrar? - ele estava do outro lado da porta fechada do meu quarto, mas não batera. Se tem uma coisa que meu pai tem muito por mim, é respeito pela minha intimidade.
- Claro, pai - destranquei a porta e sentei na beira da cama, o convidando a sentar-se na cadeira do computador. - Algo de errado?
Ele baixou a cabeça, me olhou meio sem jeito, quase querendo que eu o abraçasse. Senti um nó na garganta, eu sabia que ele estava sofrendo tanto quando eu com tudo isso, mas pelo menos ele não tinha que lidar com o fim do relacionamento dele. Eu tinha terminado o meu na noite anterior, simplesmente porque eu não gostava dele o suficiente para querer algo sério. Talvez eu estivesse errada. Talvez.
- Quem você acha que está certo, filha? - ele perguntou, sabendo que eu conhecia a briga que ele falava.
- Com certeza não é minha mãe - falei.
Vi seus olhos lacrimejantes, o lábio tremendo. Ele parecia aquelas crianças prestes a abrir o berreiro. Eu senti vontade de colocá-lo no meu colo e deixá-lo chorar, enquanto eu cuidava dele. Mas, bem, ele era meu pai, afinal de contas.
- Se a gente tivesse que se separar - ele falou isso com uma dor tão grande, que eu sabia que tanto quanto eu com o meu namoro, ele não queria terminar aquela história tão cedo. Mas as vezes, a razão fala mais alto que o sentimento. - Você vai ficar com ela?
Fiz que não com a cabeça, com pressa, percebendo que meu pai iniciara um choro contido. Ele não queria me perder como perdera meu irmão, claro. Pobre papai.
- É claro que vou ficar com você, pai - eu falei isso com clareza, como um adulto fala a uma criança - Aquela mulher me odeia, ela disse isso com todas as letras.
Ele negou com um movimento de cabeça, limpando os olhos.
- Ela não te odeia, estava alterada, só isso - ele segurou minhas duas mãos, sorrindo - Mas você vai comigo, filha, vou te proteger, sempre. Eu prometo, ok?
Eu sorri, e o abracei, aquele abraço que tanto precisava.
- Eu te amo, pai - eu disse, sabendo que terminar um casamento de vinte anos deve ser cem vezes pior que terminar um namoro de dez meses. - E estou aqui para o que der e vier, tá?
E ficamos ali, abraçados, como melhores amigos que éramos.


Isso faz parte de uma coletânea que quero fazer, que vai chamar "Confissões de ônibus". O título é pelo motivo que todas as histórias são feitas a partir de histórias que escutei nos ônibus diários. Espero que gostem da história.

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