15 abril 2019

Meus olhos contam minha história

Nem todos conhecem meus diagnósticos: depressão, transtorno alimentar, boderline e agora autismo (Aspeger). Mas mesmo os que conhecem todos esses rótulos, não conhecem minha história. Mesmo as pessoas que conviveram comigo, que VIVERAM comigo, não conhecem. Só meus olhos e eu. Só nós conhecemos quem eu fui e sou de verdade.
Eis a minha (verdadeira) história:
Eu estou chorando agora enquanto eu escrevo. É difícil se desnudar dessa forma na frente de todos, mostrar finalmente seu eu real ao mundo. Existe um desenho atualmente que eu me identifiquei muito no primeiro instante que o olhei: O mundo de Mia. É uma menina 'do mundo real', que viaja a 'Centopia', um mundo em desenho animado, onde vive aventuras incríveis.
O mundo de Mia poderia ter sido escrito por mim.
Eu fui uma criança sozinha até cerca de 9 ou 10 anos. Vivia aos cantos com uma pilha de livros, e lá era o lugar que eu 'me escondia' do mundo. Eu não gostava de falar, nem mesmo com minha família, eu preferia ler e escrever (mais tarde, quando aprendi). Eu li com mais ou menos 5 anos, sozinha, apenas com os livros e gibis. Escrevi no tempo normal, apesar de essa ser sempre minha habilidade natural. Falava apenas o necessário, com minha família, e lia em voz alta.
A partir dos dez anos, eu fiz amigos - reais ou não. Desde então, os amigos imaginários, se tornaram uma espécie de 'vida' pra mim. Eu tinha amigos reais, mas apenas como companheiros de brincadeiras, não para conversar de verdade. A maioria da minha vida, eu vivia no 'meu mundo', um lugar encantado, com cachoeiras, amigos, onde eu tinha habilidades sociais e políticas. Lá, eu vivia toda a minha vida. Lá eu fiz meus amigos, lá eu era quem eu queria ser.
Com o tempo, fui 'vivendo' histórias mirabolantes nesse mundo imaginário, que eu não via como simplesmente imaginação. Tive uma visita do agente da Hebe que me contou que eu era filha dela, e que toda a minha vida era um reality show (eu não sabia o que era isso nessa época, apenas adaptei para ficar mais fácil explicar), 24 horas por dia.
Sem maldade e com muita inocência, eu, agora já com amigos de verdade no mundo real, passei a contar histórias 'do meu mundo' na vida real, sem citar a parte que isso acontecia numa 'outra dimensão". Foi lá que conheci meu primeiro namorado, tive minhas primeiras experiências de relacionamento, lá eu vivia coisas que no mundo real não tinha interesse em participar. E muitas vezes, meus amigos reais viram isso como 'mentira', mas só quem me conhece de verdade sabe que eu sou péssima em mentir. Eu não mentia, eu contava algo que realmente tinha acontecido comigo, na minha imaginação.
Por volta de 13 ou 14 anos, eu fui descobrindo coisas que não sabia ser de uma religião específica, nem entendia que era diferente de tudo que eu acreditava ou tinha sido ensinada. Com a minha inocência, ouvi falar sobre vidas passadas, vida após a morte e pessoas mortas que viviam entre nós. Com toda a minha cabeça inocente eu apenas absorvi aquilo, não entendia ainda que existem opiniões diferentes sobre determinados assuntos, para mim tudo o que me contassem era verdade e ponto. Então eu associei meus amigos e o mundo que eu tinha criado aquilo tudo que tinham me contado. Passei a entender, que todos os meus amigos tinham morrido, e que eu os visitava numa outra dimensão. Ao invés de ter medo daqueles seres que eu havia criado, eu quis morar com eles. Eu nunca tinha me sentido parte do mundo real. Apesar de ter minha vida, meus amigos e família aqui, eu de alguma forma, me sentia excluída, diferente, esquisita e 'sobrando' no mundo real. Então decidi tirar a minha vida de algum jeito para tentar morar no mundo encantado que eu tinha criado. Enquanto isso no mundo real, ouvia dos meus amigos coisas como "Pode se matar, ninguém se importa" ou "Tu tem tudo e não valoriza". Minha diretora disse que eu parecia uma boneca, e cada vez mais eu me sentia menos parte desse mundo de parte daquele.
Conforme o tempo foi passando, eu troquei de escola, casa e igreja, tudo ao mesmo tempo, e me sentia mais solitária que nunca. Abandonei meus mundo imaginário, porque pra mim de alguma forma, ele tinha ficado lá, na casa onde eu cresci. Passei então a 'me encaixar' em outro mundo imaginário, dessa vez não sei meu: o fake. Pra quem não conhece, o fake eram perfis do Orkut onde 'viviamos' uma outra vida, melhor que a nossa. A enorme quantidade de adolescentes depressivos ou com baixa autoestima fez aquele mundo imaginário crescer de maneira esmagadora. Fiquei dois anos vivendo naquele mundo estranho, 'brincando' de ser feliz, enquanto na vida real, eu aos poucos criava coragem (meio pressionada) a namorar e até ter alguns amigos, mas não sei se realmente considerando algum deles como amigos de fato… eu os amava, mas de alguma forma, não conseguia interagir como gostaria…
Do mundo do fake achei outro mundo, o esmagador mundo dos blogs Ana/Mia. Esses blogs que eu me identifiquei por algo que eu já fazia desde criança (comer tudo o que conseguir aguentar em pouco tempo e vomitar), me fizeram ir do mínimo de depressão que eu tinha a um mundo sem volta que me acompanhou por dois anos e meio… o hiperfoco nisso foi tão grande que eu não conseguia mais falar sobre outro assunto que não fosse dietas e comida, calorias e formas de perde-las. Passava horas entre contar calorias, fazer dietas, pesquisar dietas, contar as dietas no blog, ler dietas no blog e fazer exercícios, tomar remédios proibidos e laxantes que me matavam aos poucos… e no mundo real decepcionava amigos e família que tentavam me ajudar enquanto dizia que não queria ajuda, mas por dentro clamava por respostas ("quem eu sou, por que não me encaixo no mundo?".
O mais baixo que a minha montanha russa emocional já foi, foi entre os 20 e 21 anos, quando a falta de comida me deixou com uma anemia tão profunda que os médicos me tiraram qualquer esperança a não ser que eu mesma me desse uma chance. As minhas forças tinham se acabado, eu já não queria mais viver nesse mundo que eu não pertencia, chutei o balde (usando metáforas!) e abracei minhas melhores amigas, a Ana e a Mia, e esperei a morte… No dia que marquei pra tirar a minha vida se a falta de leucócitos não tirasse até lá encontrei uma amiga que me abraçou. Apenas isso. O contato físico para mim nunca foi algo fácil, mas a intensidade daquele abraço me atingiu de uma forma que até hoje eu não consegui explicar… Foi como se de alguma forma sobrenatural (ou 'de Deus', como ela costuma dizer), ela tivesse me puxado lá de baixo, naquele poço fundo demais que eu tinha caído desde o início da minha vida, da qual eu mesma sempre cavocava a terra, e me afundava mais e mais… ela me arrancou de lá na mais linda metáfora da minha vida, e me fez finalmente enxergar o mundo real de verdade.
Depois disso, fiz a maior amizade que eu tinha feito em anos, conheci o amor da minha vida e tirei da minha vida quem estava ali só por falta de alguém melhor, apenas me fazendo mal.
Nós próximos anos, meu melhor amigo se tornou meu namorado, noivo, marido e pai dos meus filhos. Eu tinha feito uma amizade com quem eu conseguia ser eu mesma de verdade, e a primeira grande parede tinha sido vendida.
Mas havia ainda uma outra parede. A parede que me incomodava. Aquela parede que estava ali, a parede da dúvida. Por quê?

3 comentários:

  1. Li com muito carinho o seu coração transcrito em palavras.Uma tragetoria de superação... Receba o meu abraço e a minha admiracão. 💕

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  2. Nossa, somos parecidas eu também li muito cedo. Minha vida gira em torno de livros desde que eu tinha 5 anos também. A vida de um neurodiverso é cheia de altos e baixos o importante é se agarrar a cada motivo para viver e continuar. Já estou seguindo e vou acompanhar seu blog. :)

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